quarta-feira, 18 de abril de 2007

RESUMO DO RELATÓRIO DE PROGRESSO - III.ª CAMPANHA DE ESCAVAÇÕES - 19 A 31 DE JULHO DE 2004


Durante o ano de 2004 decorreu a terceira campanha de escavações. Infelizmente para mim, foi o ano em que por motivos profissionais acompanhei apenas parcialmente os trabalhos, sendo impossível desta vez a elaboração de um registo na primeira pessoa sobre o que se passou. O leitor deste Blog fica no entanto a ganhar porque em sua substituição, passo a transcrever excertos do relatório de progresso referente a essa campanha da autoria do Arqueólogo Jorge António.

III.ª CAMPANHA de escavações - 19 a 31 de Julho de 2004

Resumo do Relatório de Progresso

“O presente Relatório de Progresso enquadra-se no âmbito da III.ª Campanha de Escavações, realizada no Castelo de Alcobaça, entre 19 e 31 de Julho de 2004.
Esta campanha contou, mais uma vez, com o apoio material e financeiro da Câmara Municipal de Alcobaça e com o imprescindível apoio de uma equipa de voluntários, constituída por estudantes de arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, estudantes do ensino secundário e de outros voluntários de Alcobaça. Este trabalho de voluntariado consistiu na escavação e no registo gráfico e topográfico.
A intervenção, efectuada este ano no Castelo, excedeu, mais uma vez, todas as expectativas, não só relativamente à quantidade/importância histórico-científica da cultura material exumada, como também relativamente às estruturas colocadas a descoberto. (…)
Nesta III.ª Campanha, foi retomada a escavação da sondagem aberta no Compartimento – I e a escavação do Compartimento – IV e deu-se início à escavação da Torre de Menagem e de uma nova área, contígua ao Compartimento – III. Os trabalhos de escavação desta III.ª Campanha, à semelhança do que se verificou nas campanhas anteriores, incidiram, exclusivamente, sobre o Sector – A (interior do Castelo). (…)
No Compartimento – IV, foi retomada a escavação iniciada na campanha anterior, definindo-se, agora, com maior rigor, os limites do mesmo. A escavação deste compartimento permitiu identificar mais um espaço de habitação, encostado ao alçado interno do castelo, virado a Noroeste. A partir do canto Sudoeste do castelo, onde se deu início a este projecto, em 2002, e no qual se identificou o Compartimento – I, tem sido alargada, sucessivamente, a área de intervenção, circundando sempre a cisterna. Com a escavação do Compartimento – IV, em 2004, foi conseguida, finalmente, uma leitura estratigráfica, em toda a largura do castelo. Seguindo a metodologia adoptada na escavação dos restantes compartimentos, com excepção da sondagem aberta no Compartimento – I, que segue outros objectivos, procedeu-se apenas à remoção dos níveis estratigráficos associados ao terramoto de 1755. (…)
Finalizada a escavação do Compartimento – IV, deslocou-se a equipa para a Torre de Menagem e definiu-se uma área contígua ao Compartimento – III, uma sondagem com
20 m2, seguindo, mais uma vez, a metodologia inicialmente proposta de escavar internamente o castelo, junto à muralha, em redor da cisterna. (…)
Ao fundo da Torre de Menagem, foi marcada uma sondagem de 4x4 m, que abrangeu cerca de metade da mesma, antecedida, naturalmente, pelo habitual registo fotográfico. Após este registo, procedeu-se, de imediato, à decapagem da cobertura vegetal existente, à remoção de algumas pedras de grandes dimensões, porventura deixadas no local, aquando da desmontagem do castelo, entre 1838 e 1855, e não aproveitadas na reconstrução parcial do castelo, ocorrida em 1956 (…)
Tinha surgido, assim, a oportunidade de confirmar o manuscrito de Frei Manuel de Figueiredo, quando refere que esta fora cárcere, até ao terramoto de
1755, a partir do qual ficou em ruínas, deixando a então Vila de Alcobaça sem prisão. Outro dos motivos consistiu no desconhecimento que persistia, relativamente à estratigrafia conservada in situ, perante a sua eventual remoção, durante o processo de reconstrução, ocorrido em data atrás referida, a mando da autarquia, no âmbito da visita da rainha Isabel II de Inglaterra, a Alcobaça. A cota de topo da estratigrafia conservada no interior da torre, à data da intervenção arqueológica, era, substancialmente, inferior à da verificada no restante castelo, o que nos causava alguma preocupação. (…)
O material arqueológico foi individualizado por compartimentos, de acordo com as unidades estratigráficas em que era recolhido. Devido à grande abundância de material, estes foram, ainda, individualizados de acordo a sua natureza (cerâmica vidrada, cerâmica comum, faiança, bronze, ferro, vidro, fauna, etc.).
Todos os compartimentos identificados até à data têm-se revelado espaços estanques, de contextos arqueológicos perfeitamente selados, em relação à restante área do Castelo. (…)
Terminados os trabalhos arqueológicos, procedeu-se à cobertura de todas as áreas intervencionadas, com geotextil e terra, no intuito de evitar a degradação das estruturas e salvaguardar o local contra possíveis actos de vandalismo e saque, à semelhança do que tem sido feito, em todos os finais de campanha. (…)

Análise/descrição das estruturas identificadas
Compartimento I

(…)Identificaram-se duas bases de pilar em grés, dispostas de forma desalinhada. Sob este, registou-se, ainda, um nível de incêndio, associado a uma lareira, caracterizado por uma mancha de cinzas e carvões(…)que se estendia, de forma homogénea, a toda a sondagem. Nesta mancha, foram recolhidas cavilhas em ferro, bastante oxidadas, quatro vigas de madeira carbonizada, junto à muralha do castelo, duas das quais dispostas paralelamente, e diversas telhas queimadas. O incêndio terá sido de grandes proporções, na medida em que queimou, de forma irremediável, as vigas de sustentação do telhado, provocando a sua ruína. Nesta mancha de carvões e cinzas, foram recolhidos, ainda, fragmentos de cerâmica comum, com sinais, bem evidentes, de exposição ao fogo.
Junto destas vigas, foi identificada uma estrutura circular, escavada no afloramento, com cerca de
30 cm de diâmetro e 50 cm de profundidade. Possivelmente, tratar-se-á de um pequeno silo, já que, associada a este, foi encontrada uma laje, supostamente, um fragmento da tampa. No interior, apenas foi registada a presença de pequenos nódulos de carvão.
Associada a este nível de incêndio, foi identificada uma lareira, praticamente encostada ao muro que separa este compartimento do Compartimento – III, constituída por uma fossa, com laje quadrangular ao centro, e uma coroa, formada por grés rubefactos, de pequena e média dimensão. No interior, continha uma terra arenosa, castanho escura, nódulos de carvão e fragmentos de telha.
As lareiras, identificadas no interior dos compartimentos escavados, seriam utilizadas, não só para cozinhar, como também para aquecimentos dos mesmos, pois a região de Alcobaça, sendo muito húmida e fria, obrigaria a que as habitações necessitassem de aquecimento constante.
O espólio exumado durante a presente campanha, nesta sondagem, cronologicamente anterior ao séc. XVIII, é bastante reduzido, pois apenas se recolheram escassos fragmentos de cerâmica comum, estando totalmente ausentes as faianças, porcelanas e vidrados, característicos dos níveis estratigráficos superiores, recolhidos nos derrubes associados ao terramoto de 1755.
O material arqueológico, incaracterístico, não nos permite definir, com segurança, uma cronologia para este nível de incêndio. Contudo, a julgar pelo material recolhido na campanha anterior, datável dos sécs. XVI/XVII, entre os quais se destacam as formas com decoração modelada e bordos recortados e ônfalos, propomos que o nível de incêndio e respectiva lareira associada datar-se-ão, possivelmente, dos sécs. XIV/XV. O tratamento de material, previsto para a próxima campanha, poderá ser determinante para aferir melhor a cronologia desta realidade, pois será analisado, ao pormenor, todo o espólio aqui recolhido.

Compartimento IV

Os Compartimentos – II e IV, dispostos perpendicularmente ao Compartimento – I e que se prolongam até ao canto Noroeste do Castelo, teriam, originalmente, constituído uma única divisão. Em data ainda a determinar, foi fechada a porta do castelo, junto à Torre Albarrã, e este grande compartimento dividido em dois.
O Compartimento – IV, identificado já na campanha anterior, no qual foi feita apenas uma decapagem superficial, apresenta planta rectangular e uma área interna de
24 m². O acesso a este fazia-se directamente pelo pátio, através de uma porta, com 1,40 m de largura, a julgar pela soleira, ainda conservada in situ. Esta soleira, constituída por três lajes de calcário, preserva, nos cantos diametralmente opostos, dois gonzos, que evidenciam algum desgaste. A laje do meio apresenta, na extremidade direita, um terceiro orifício de encaixe de porta, o que sugere uma possível reutilização da pedra ou o alargamento da entrada.
O material arqueológico, recolhido neste compartimento, mais uma vez em grande quantidade (cerâmica comum, vidrada, faiança e porcelana), corresponde aos níveis de derrube associados ao terramoto de 1755, identificados nos restantes compartimentos escavados.

Torre de Menagem

Na Torre de Menagem, foi aberta uma sondagem de 16 m², abaixo da cota do alçado original, que abrangeu cerca de metade da mesma. Grande parte do alçado, que se projecta, de forma altiva, para o mosteiro, foi reconstruído, em 1956, possivelmente, com os detritos deixados no local, aquando da desmontagem do castelo, ocorrida no séc. XIX.
O material arqueológico, bastante diversificado e recolhido, mais uma vez, em grande quantidade, do qual se destacam, fundamentalmente, as moedas, mas também algumas formas inteiras, tais como, pucarinhos, malgas, tigelas e testos, correspondem aos níveis de derrube, característicos do terramoto de 1755. Nos níveis estratigráficos imediatamente abaixo destes derrubes, recolheu-se, também, espólio associado aos sécs. XVI/XVII.
A escassez de materiais de maior qualidade, como as faianças e porcelanas, datáveis do séc. XVIII, leva-nos a validar, arqueologicamente, o manuscrito de Frei Manuel de Figueiredo (1780, p. 225 e seg.), quando refere que a Torre de Menagem terá funcionado como prisão, pelo menos a partir do séc. XVI. Estes materiais, alguns dos quais importados do oriente, estariam, maioritariamente, nos compartimentos associados aos aposentos do Alcaide e não, naturalmente, à cárcere do castelo.

Estratigrafia Identificada

A estratigrafia identificada no interior do Castelo de Alcobaça é, de facto, muito homogénea, não só relativamente aos seus elementos constituintes, como também a nível tipológico, morfológico e cronológico da cultura material associada. O aparelho de construção dos compartimentos é todo ele muito semelhante, assim como os pavimentos de terra batida, encontrados entre as diversas camadas de entulho. (…)


Cultura Material Exumada

Faiança

(…) Julgamos importante salientar o fundo de um fundo de tigela, onde se pode ler, de forma truncada, “ORREI”. Este fragmento, recolhido em níveis estratigráficos datados do séc. XVIII, representa parte do apelido materno do alcaide Bento Luíz CORREIA de Melo.

Cerâmica Comum e Vidrada

Apesar de ainda não ter sido efectuada a lavagem da totalidade do material cerâmico e a respectiva colagem e inventariação, descreve-se, apenas, neste relatório, as duas peças na foto, encontradas, in situ, na Torre de Menagem.
A malga vidrada tem um bordo com um diâmetro de
15 cm e um pé, em bolacha, com 5 cm de diâmetro interno. Na face externa, a 4 cm abaixo do bordo, apresenta uma carena larga, com cerca de 5 cm. O pucarinho, em cerâmica comum, tem apenas 8 cm de altura e um bordo com um diâmetro de 6 cm. Tem uma asa fina e aplicada na peça de forma ligeiramente torta, ostenta duas caneluras, entre o colo e o arranque do bojo, e, ainda, outras duas, entre o bojo e o pé.

Porcelana

Os 17 fragmentos de porcelana, recolhidos na Torre de Menagem, e os 3, recolhidos no Compartimento – IV, constituídos por abas e fundos de pratos e fundos de tigelas, estão decorados com motivos vegetalistas e bandas de linhas paralelas. Os fragmentos de fundos de pratos caracterizam-se por pés em bolacha e abas finas e largas. Tratam-se de peças importadas do Oriente e surgem em níveis estratigráficos do séc. XVIII.

Cachimbo

Na Torre de Menagem, em níveis estratigráficos do séc. XVI, recolheu-se um fragmento do fornilho de um cachimbo, com uma abertura de 3,5 cm, queimado, em cerâmica comum, modelada, no qual é possível ver as dedadas do oleiro. Foram, ainda, recolhidos, na Torre de Menagem, dois tubos de cachimbos de pastas muito finas, de tonalidade branca, ostentando um deles, diversos mamilos

Instrumento Musical

Ocarina em cerâmica comum


Também na Torre de Menagem, foi encontrado um fragmento do bocal de uma ocarina, em cerâmica comum, com 5 cm de comprimento e 1,5 cm de espessura. Na extremidade, conserva, ainda, um orifício.

Malhas de Jogo

Símbolos de lazer e divertimento, as malhas de jogo foram, mais uma vez, registadas arqueologicamente, nesta III.ª Campanha de Escavações. Contudo, apenas foram recolhidos 5 exemplares, na Torre de Menagem. Destas, apenas uma é afeiçoada a partir de uma forma em faiança, possivelmente de um prato, sendo as restantes elaboradas a partir de formas de cerâmica comum, de tipologias indeterminadas. Os diâmetros oscilam entre os 3,5 e os 2 cm, salientando-se o facto de duas serem completamente circulares, sem que apresentem qualquer vestígio de talhe.

Metal

As moedas, maioritariamente ceitis, foram recolhidas em todas as áreas intervencionadas, mas, fundamentalmente, na Torre de Menagem, onde se recolheram 74 exemplares, entre os quais um Ceitil de D. Manuel e um Real de D. João III. No Compartimento – IV, recolheu-se, ainda, um Real de D. Sebastião.(…)
Na Torre de Menagem, recolheram-se, também, 12 alfinetes em bronze, com hastes de secção circular, com comprimentos que variam entre os 3 e os
5,5 cm, e cabeças redondas, de diversas dimensões.
No Compartimento – IV, foi encontrado um anel, em prata, que se caracteriza por um aro com
0,5 cm de largura e cerca de 2 cm de diâmetro.
Os pregos e cavilhas, recolhidos em menor quantidade (65) que no ano anterior (312), exceptuando uma tacha, em bronze, recolhida no Compartimento – IV, são exclusivamente em ferro, apresentando-se bastante oxidados e, por vezes, em avançado estado de degradação. Contudo, alguns exemplares conservam-se inteiros, embora, por vezes, contorcidos. As cabeças são rectangulares, quadrangulares e circulares, algumas achatadas, circulares e ovais, planas e ligeiramente cónicas com achatamento, e secção rectangular. As hastes apresentam secção quadrada e circular, atingindo os maiores um comprimento de
11 cm. Estes pregos e cavilhas constituiriam o reforço de portas, vergas de janelas, escadas interiores e vigas de sobrados e telhados.

Dedais em bronze

Os 5 dedais, em bronze, recolhidos, exclusivamente, na Torre de Menagem, são extensamente decorados, com punção pontilhada, um dos quais, devido às reduzidas dimensões, leva-nos a crer tratar-se de um dedal de criança. Dois dos restantes quatro, todos de maiores dimensões que o atrás descrito, estão, parcialmente cortados.
Por fim, resta referir a recolha de diversos fragmentos de arame em bronze, de quatro fragmentos de escória de chumbo e de vários elementos incaracterísticos de bronze e ferro.

Vidro

Morfologicamente, os 11 fragmentos, exumados na Torre de Menagem, e os 9, no Compartimento – IV, parecem aludir para formas como copos e garrafas. Trata-se de um vidro de qualidade, translúcido, de tonalidades branca e avermelhada, por vezes, muito fino e delicado, com paredes com decoração ondulada, losangos e caneluras. A oxidação verificada é, de uma forma geral, pouco significativa.

Pau-Preto

Na Torre de Menagem, recolheram-se 5 contas, algumas das quais ainda conservam o furo, com diâmetros que oscilam entre os 0,8 e os 1,3 cm. No Compartimento – IV, recolheu-se cerca de metade de outra conta com 1,5 cm de diâmetro, e 5 fragmentos com sinais de talhe, alguns destes ainda com os furos. Todo este material terá sido talhado no local, para a elaboração de terços ou rosários.
Além destas contas, recolheram-se, também, 20 fragmentos de material em bruto e lascas, no Compartimento – IV, e 17, na Torre de Menagem.

Sílex e Grés

Os sílex recolhido consistiu em apenas 4 lascas, de pequenas dimensões, com sinais evidentes de talhe e revelam tonalidades avermelhada e esbranquiçada. Embora recolhido em níveis estratigráficos datados do séc. XVIII, acusam uma clara situação de estratigrafia invertida, resultante da violação de níveis estratigráficos datáveis do Calcolítico. Mais uma vez, ficou comprovada a existência de presença pré-histórica, na pequena colina onde se encontra implantado o Castelo de Alcobaça.
Nesta campanha, recolheram-se 5 projécteis de arenito, 4 na Torre de Menagem e 1 no Compartimento – IV, cujos diâmetro variam entre 2 e os
4,5 cm, sendo que dois estão fragmentados pela metade.

Osso

No Compartimento – I, foi recolhida uma tecedeira, com 10 cm de comprimento e ligeiramente polida, e 2 fragmentos de um osso de animal, carbonizado, com 13 cm de comprimento, com sinais de polimento e desbaste numa das extremidades, aparentando tratar-se de um furador. “

Jorge António

1 comentário:

Unknown disse...

I would like to see the castle fully restored