sexta-feira, 23 de março de 2007

O castelo no contexto Nacional

O castelo de Alcobaça no contexto das fortificações existentes em Portugal entre 1350-1450. Os dois pontos mais próximos a nordeste e sudoeste respectivamente, são referentes a Alpedriz e Alfeizerão. Os dois outros castelos dos antigos Coutos de Alcobaça.

segunda-feira, 19 de março de 2007

2003 - Segundo ano de campanha

Segundo ano, segundo testemunho como voluntário para o Almanaque do "ACTV".


Decorreu na última quinzena de Julho a segunda campanha de escavações no castelo de Alcobaça, com o apoio da Câmara Municipal. Pela segunda vez o ACTV acompanhou de perto os trabalhos “in loco”, fazendo questão de fazer saber a todos vós o empenho e dedicação dos que lá estiveram, orientador e voluntários. Com uma equipa algo maior em relação ao ano passado, abriram-se novas áreas de escavação sob a orientação do Arqueólogo Jorge António, que repartiu a equipa em três grupos, escolhendo assim alargar em termos de espaço a intervenção tanto para Sul como para Este. Foram 15 dias de trabalho, o mesmo que no ano passado, mas que se revelaram mais frutíferos por isso mesmo. Foram postas a descoberto estruturas que delimitaram novos compartimentos, mais três áreas foram abertas para além da “herdada” do ano passado. Não foi preciso esperar muito para começar a ver surgir material do séc.XVII, encontrado na primeira camada estratigráfica. Tal como anteriormente, descobriram-se fragmentos de cerâmica, vidrada ou não, faiança, moedas, utensílios de cozinha como facas ou colheres, contas de rosário ou terço, embora em menos quantidade.
O calor persistia, foram dias difíceis para os que ali trabalhavam debaixo do sol intenso. À hora de almoço retemperavam-se as forças e continuavam-se as conversas. Devo dizer que um dos lados positivos desta campanha de escavações foi a criação de laços de amizade entre pessoas que afinal partilham um gosto comum, a História, que tem enriquecido desde o ano passado com as descobertas que lá têm sido feitas. Estas descobertas, de grande valor arqueológico, têm-nos ajudado a compreender um pouco melhor a história do nosso castelo e dos seus múltiplos habitantes. Entre estas destacam-se:
- Uma pulseira de vidro, duas lamparinas medievais, alguns dedais trabalhados, vários medalhões com temas religiosos (S. António, S. José, N. Senhora), e um objecto curioso, uma esfera de pedra maciça, do tamanho de uma bola de andebol que se presume ser uma “bola de arremesso”. Um projéctil de catapulta usado para fins militares. Material mais antigo presumivelmente do Séc. XVI.
Para o ano está prevista a terceira campanha, continuando com o trabalho e com a amizade. Podemos prever ainda a descoberta de níveis de ocupação mais antigos à medida que os trabalhos irão decorrer.
Provada está, pelos objectos encontrados, a ligação entre o castelo e a povoação até meados do Séc. XVIII, algo que não acontece hoje em dia.
A indiferença é actualmente o pior inimigo do monumento.
A população de Alcobaça terá brevemente a oportunidade de olhar de perto estes e outros objectos que vão sendo encontrados e estudados.



2002 - Ano 0



Corria o ano de 2002 quando se iniciou a primeira campanha de escavações no castelo, encabeçada pelo Dr. Jorge António, e a Dr. Manuela Pereira na qual eu tive a honra de participar como voluntário. Com a devida autorização tomei a iniciativa de escrever para o Almanaque do "ACTV" (Arte, Cultura e Tradição na Vestiaria, movimento no qual me integrava) um resumo dos acontecimentos. É esse documento que passo a divulgar de seguida.

-Desenterrar História-

Na segunda-feira cinco de Agosto de 2002 o castelo de Alcobaça foi palco de uma agitação fora do normal. É comum em dias de verão, este ser visitado por turistas que preferem uma vista geral do Mosteiro a uma olhadela pela fortaleza. Mas as pessoas que lhe agitavam o perímetro não eram turistas, mas sim uma equipa dedicada a lhe desenterrar um pouco da história. Arqueólogos e voluntários preparavam-se de manhã cedo para começar os trabalhos de prospecção, depois das devidas apresentações, a afinidade foi imediata, era evidente que todos vinham determinados mas sem grandes expectativas em relação aos objectos a encontrar.
Os arqueólogos acharam por bem começar os trabalhos no interior do corpo do castelo, no canto onde as muralhas oeste e norte se encontram. Encaminhámos todo o material, e o trabalho começou, onde por acaso se encontrava um monte de terra atulhada. Durante todo o dia se tratou de a retirar e mesmo assim tivemos de continuar no dia seguinte. Ao fim do segundo dia quando chegamos finalmente à cota da primeira camada de sedimentos, o trabalho continuou mas agora com ferramentas mais pequenas.
Não foi preciso esperar muito para começarem a surgir objectos, que consistiam basicamente em fragmentos de cerâmica vidrada simples, de barro vermelho ou de faiança ornamentada em azul-cobalto, todas presumivelmente dos finais do séc.XVII princípios do séc. XVIII. Apareceram igualmente no segundo dia, contas de rosário e terço e pedaços da matéria-prima de que eram feitos (Pau Preto).
No dia seguinte o trabalho de prospecção à primeira camada de sedimentos continuou próspero, foram encontrados mais pedaços de cerâmica vidrada, de faiança, de bilhas, pedaços de chávenas em vidro acastanhado, mais contas de rosário e terço, e ossos de animais que constituíam a dieta alimentar de quem lá viveu. Ossos de bovinos, suínos, aves, bem como cascas de bivalves ou caracóis do mar. As surpresas continuaram até ao fim do dia. Encontramos uma colher sem cabo que supostamente seria em madeira, fragmentos do que seria um braseiro ou forno em cerâmica, pregos, um peso de pesca feito de pedra, e parte de um crucifixo do mesmo material que as contas.
A pouco e pouco, o espaço escavado começou a revelar o que se saberia mais tarde ser um compartimento quadrangular de orientação norte – sul. Tudo se ia tornando mais claro à medida que se iam encontrando os seus limites bem como o acesso ao interior. A esta altura as expectativas estavam por demais ultrapassadas, a quantidade de material surpreendeu-nos a todos. Este era um dos assuntos que predominava nos almoços do grupo, que entretanto se ia conhecendo cada vez mais e melhor.
Entretanto, e depois de acabada a prospecção da primeira camada, passamos para uma segunda, que se revelou rica em achados. Foram encontradas peças em barro vermelho com mais de 50% de superfície, bem como outros objectos mais pequenos, como bocas de bilhas, pregos, um anzol, uma faca sem cabo, ou fragmentos de peças em vidro de cor acastanhada e esverdeada. Tornou-se claro que nesta sala, a parte norte estava reservada à cozinha uma vez que foram aqui encontradas grandes quantidades de cinza e de restos de comida.
Mas o melhor estava para vir. É que no pavimento desta camada acabamos por descobrir pontas de seta em sílex, que terão sido transportadas involuntariamente para lá aquando da sua execução por quem o fez, possivelmente no séc. XVII com terra do monte do castelo.
A cada dia que passava ficávamos mais deslumbrados com os achados, para além da cerâmica que aparecia constantemente, começaram a aparecer alguns objectos diferentes. Alfinetes, agulhas, incrustações de metal adornado que serviria para decorar madeira, contas em marfim e vidro, algumas moedas do séc. XVII, uma figa em pau-preto, um botão, e uma fivela de cinto.
Tivemos, em alguns dias de trabalhar com condições atmosféricas difíceis, havia vento forte que levantava muito pó, e como se isso não bastasse, a chuva resolveu aparecer. Mas tinha de ser, afinal tínhamos apenas duas semanas de trabalho de campo, e como não paravam de surgir objectos, havia que aproveitá-las ao máximo. Com o começo da segunda semana o tempo melhorou, e os trabalhos continuaram a bom ritmo. Fomos encontrando mais cerâmica, mais faiança com motivos diferentes dos encontrados até à data, um cabo de uma faca em osso, dois anéis, uma pequena tigela em metal, contas de madeira, mais alfinetes, uma imagem de um santo com cerca de 3cm, e duas ou três peças de cerâmica vermelha praticamente intactas. Para além do trabalho de escavação, começou-se com o desenho técnico do perímetro, havia que registar as estruturas encontradas. Assim, a nossa sala quadrangular tinha duas bases de colunas simétricamente distribuídas, e uma pedra junto à sua parede Este, com uma incrustação que se presume ser a marca do canteiro.

Assim foi o primeiro ano de trabalhos no Castelo e podemos dizer que apesar do número limitado de dias e de pessoas, a campanha correu relativamente bem. Esperemos que para o ano possamos estar de volta com um maior número de dias e de pessoas para que assim a história do castelo e de Alcobaça seja melhor compreendida.



domingo, 18 de março de 2007

Primeira Pedra



No que toca a teorias e lendas sobre a fundação desta fortificação, elas são abundantes.
Há quem afirme que foi edificado pelos Godos, e aproveitado mais tarde pelos povos Árabes, ou mesmo que foram estes os primeiros responsáveis pela sua construção. A lenda do castelo de Alcobaça demonstra isso mesmo: "Esta lenda está ligada a um poço próximo do castelo. Conta ela, que qualquer moça que aí fosse buscar água, sentia de repente brotar do fundo do velho poço uma estranha melodia, ao mesmo tempo que saia das ameias do castelo uma majestosa figura de mouro que, através do olhar, encantava quem lá passasse... A única maneira de fugir a esse encantamento seria invocar Nossa Senhora ou então, trazer ao pescoço uma medalha com a imagem de algum santo, que protegesse da magia do mouro, que afinal não era mais nem menos que o alcaide Ben Al Mansour, morto numa luta violenta em defesa do seu castelo.
Mas pelo sim pelo não, o melhor era não surgir nenhuma rapariga audaciosa que tentasse aproximar-se do castelo, pois Al Mansour poderia arrebatá-la para sempre, mesmo vindo protegida por algum santo."*
Outra lenda conta-nos que o mesmo Alcaide "atraía as raparigas bonitas a um palácio subterrâneo do castelo, palácio muito bem decorado e mobilado."**
Outros defendem ainda que foi D. Sancho I o primeiro a dar ordem de construção.
Mas... e o que os factos nos dizem? Parece haver documentação para fundamentar vários pontos de vista, talvez a teoria da fundação Árabe seja a mais consensual. Não há qualquer dúvida da sua presença nesta região, temos a toponímia e algumas escrituras que o confirmam. Certo é que a nível de provas arqueológicas, no que respeita ao castelo de Alcobaça elas são inexistentes, os três anos de campanha liderados pelo Arqueólogo Dr. Jorge António, embora ricos em achados não o confirmaram por enquanto. Mas os resultados foram animadores, e surpreendentes de uma maneira geral o que nos leva a estar optimistas em relação a futuros trabalhos “In loco” que possam ajudar a esclarecer as origens da fortificação.


* “Por terras dos antigos coutos de Alcobaça” – Maria Zulmira Albuquerque Furtado Marques
** “Breve Historia de Alcobaça” – Bernardo e Silvino Villa Nova